Powered By Blogger

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Catira

É uma manifestação cultural que envolve música, dança, insatisfação em relação à política e ao trabalho, romance e lazer, tudo isso reunido em apresentações com muita criatividade.

Caracteriza-se por grupos que reúnem homens e mulheres (ou homens, apenas), dispostos alternadamente em fileiras com quantidades iguais de um lado e de outro, podendo esse estilo variar, de região para região. A música é feita por violeiros. O catireiro geralmente vestia-se com um estilo sertanejo (camisas, botas, chapéus). As letras das músicas envolviam principalmente romance e insatisfação social.

Os catireiros geralmente tinham um baixo grau de escolaridade. Contudo, com o costume e o repassar da tradição de pai para filho, eles conseguiram, com seus próprios estilos de composição, desenvolver canções inteligentes.

As primeiras manifestações catireiras apareceram no Brasil a partir do século XIX. Sua origem é incerta, mas acredita-se que seja oriunda de europeus, particularmente portugueses, com costumizações e agregações de fragmentos de culturas indígenas e africanas.

Um exemplo de um dos seus ápices, foi em Uberaba, no período em que Vargas administrou o Brasil. O motivo, foi o desgosto pela política brasileira, já que nessa época foi implantada uma espécie de ditadura, que privava o povo da liberdade. Tudo era fiscalizado, como por exemplo, as cartas dos correios; e outras coisas eram proibidas, como a venda de combustíveis a quem não tivesse autorização por escrito do governo, o porte de arma e munição por particulares e fazendeiros, entre outras medidas, que contribuíram para as manifestações.

Aos 80 anos, José Calisto da Silva (nome popular Beca), ex-catireiro da cidade de Patrocínio, lembra com saudade da época em que se reunia com os amigos para dançar. Seu grupo se chamava Cezarinho, e se reunia com outros dois grupos (Antônio Bombacho e Acácio Roque) e faziam duelos de Catira entre si. “Nasci no ano de 1930, e cresci vendo a tradição Catireira. Dancei só até a juventude, pois a tradição já estava começando a morrer. A Catira está acabando por causa dos novos ritmos que vão surgindo, as crianças e os jovens não querem saber do que é cultural e tradicional. Eles querem cada vez mais, o novo. Novas gerações, novos estilos.” Ele conta ainda que as músicas eram relacionadas aos namoros dos catireiros, aos fatos da época, ligados a política e religião. “Nosso grupo era formado por pessoas mais velhas, todos bóias-frias e pobres. Eu era um dos poucos jovens. A gente não tinha dinheiro para comprar roupas bonitas para dançar, então dançávamos com roupas comuns. Na maioria das vezes, a dança saía sem graça, porque não tínhamos botas que faziam barulho, para fazer aquela batida bonita que tem a dança. Dançávamos descalços, e tinha que ser no cimento, para sair algum som. No lugar do barulho das botas, colocávamos o barulho do chocalho, que era para o som não perder a beleza.” Segundo Beca, mesmo a tradição estando quase esquecida, em uma festa chamada Festa do Carro de Boi, a dupla chamada Lourenço e Lourival, relembra canções e danças catireiras, para mostrar aos jovens o quão divertido era o costume.

No início do período Vargas, a Catira era tradição mais rural que urbana, mesmo assim, era praticada por pessoas que migraram para as cidades em busca de melhores oportunidades. A maioria dos catireiros eram lavradores, serradores e meeiros. Mas havia também aqueles que eram donos de grandes fazendas e que aderiram a cultura, até mesmo por uma questão de lazer. No tocante a cultura, todos podiam ser qualificados como caipiras.

Um exemplo explícito de desgosto por parte deles, se tratando de política, é uma moda chamada Não Voto Mais, feita por Manezinho, um dos mais conhecidos de Uberaba. Nela havia as seguintes palavras:

Eu não sou mais eleitor / Só porque não me convém

Não dou voto por favor / Nem por dinheiro também

Que todo governador / Tanta promessa eles têm

Quando de posto é senhor / Não conhece mais

ninguém.

Outro exemplo de moda catireira, dessa vez com sentimentalismo romântico, é a música Cabelo Libra Esterlina, de João Gregório:

Por aqui tem um rosto lindo / Desejo amar, mas tenho

Ocultamente é meu melindro / Em regozijo de segredo

Faço pouca declaração / Por ser causa de finanças

Enfeitiçado por sua feição / Não posso perder a

esperança

E não dou demonstração/Pra não haver desconfiança

Assim como essas canções, as tantas outras que existem nesse estilo, são baseadas na vida no campo, na natureza, em acontecimentos corriqueiros na vida catireira. Os versos a seguir revelam o encantamento de Tertuliano Inácio Reis pela natureza:

Este mundo é um planeta / Que a natureza governa

Eu vejo tantas belezas / Na entrada da primavera

Dominado pelas estrelas / Tudo é criação da terra.

No tocante ao trabalho, eles também criavam toadas que expressavam o tamanho esforço físico, o cansaço, e a luta cotidiana. Em exemplo a isso, Manezinho criou Despedida de Serrador, que demonstra também a insatisfação social:

Serra sobe, serra desce / Trinta golpe por minuto

Logo o suor aparece / Não posso parar enxuto

Com isso os braços amolece / Devido ao serviço bruto

O patrão é que enriquece / Eu é que tanto labuto.

Ainda falando sobre assuntos ligados à Catira, é cabível citar que em algumas cidades ela é usada como louvor à Deus. Em Paracatu – MG, ela está diretamente ligada a um movimento religioso, a Folia, pois os dançarinos também são foliões e a definem como um meio de alegrar a reza da Folia.

Apesar de essa cultura possuir belas melodias, e letras que direta ou indiretamente divulgam seus sofrimentos, desgostos, apesar das danças que despertam curiosidade, contudo, a Catira está quase extinta. São poucos os descendentes que se animaram a levar essa tradição adiante. O tempo passou, as pessoas envelheceram, muitas morreram, outras nasceram já se acostumando a novos modos; a insatisfação e o romance passou a ser demonstrado de outras formas, e a original Catira foi deixada para trás. É algo quase raro, encontrar um grupo de Catira que seja fiel as suas originalidades.


Nenhum comentário:

Postar um comentário